segunda-feira, 26 de maio de 2008

Caixinha de música...

Num dia qualquer da minha infância ganhei uma caixinha de música.
Mágica...
Ao invés de bailarinas, dançavam lindas putas de corpetes coloridos rendas, piteiras, plumas.
O mais doce dos cabarés.
Não que eu conhecesse outros, mas já tinha imaginado tantos...
Aquele era sem dúvida o mais doce.
Ao entardecer ao som da caixinha de música, risos, sentava aos pés da grande árvore fechava os olhos e deixava-me hipnotizar pelo toque das folhas que caiam na minha pele de menina.
Vez ou outra surgiam na minha cabeça imagens soltas.
Uma jamais saiu da minha memória...
Eu mulher linda, cabelos cacheados ao vento, nua. Meu cavalo veloz e forte de pelos brilhantes.
Nesse dia eu fui princesa...

domingo, 25 de maio de 2008

Alta Noite

As noites eram longas, escorriam sobre a pele.
Como na madrugada da grande catástrofe, nos abraçávamos com força e cerrávamos os olhos a espera da calmaria. As vezes o vento assobiava numa altura tal que era impossível nos escutarmos.
As noites eram longas e cortavam a carne para o pacto de sangue.
Relógios parados, guerreávamos sem sucumbir ao cansaço e ao peso da espada.
Amávamo-nos, relógios parados, mãos na escuridão.
Só sei que um dia, enquanto ele abria as grandes janelas do casarão, o sol foi pintando os meus ossos e músculos, e observei meu rosto reaparecer no reflexo do espelho.
Cantarolamos juntos uma música antiga, colhemos flores e de mãos dadas atravessamos grandes avenidas movimentadíssimas, caminhamos...
Por fim, cabelos soltos sentamos aos pés de nós e dormimos ao sol calmo, exaustos e tranquilos como quem volta pra casa depois de uma longa viagem.

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Hoje

O dia passou assim; mudo, controlado, em tons pastéis.
Olhei as horas no relógio de pulso.Não chorei.Tomei um café preto.Li uma besteira num adesivo de carro.Não amei nem me arrependi .Pendurei roupas limpas no varal. Comi, falei, tomei, pensei, nada me surpreendeu.Dormi.
O dia passou assim. Se não tivesse olhado as horas talvez nem percebesse...
Tinha-se a impressão de que o dia nunca tinha passado por ali

quinta-feira, 22 de maio de 2008

Partituras esquecidas

A menina cresceu e foi desvendando a vida através de mundos no guardanapo e ilusões ao telefone.
As sábados, debaixo de chuvas de poema, enquanto observava a lua inteira, gorda, consolava amores inventados. Lindos! E inventavam cada uma...
Voltas e voltas no quarteirão, taças de vinho, letras de músicas, tragos, decotes, pactos de amizade.
Ele falava em casamento e ela coca-cola.
Ele mudando o mundo e compondo letras ruins de rock, ela rindo.
Ele sempre falante, buscando na gramática novas combinações, criando outras vogais, ainda mais belas que as que ela conhecia. Enquanto isso bebiam cerveja no boteco de um bairro de classe média que tem até hoje como charme a nostalgia de suas histórias e nada mais. Estas que lá inventávam.
"Raiva te não ter trazido o passado roubado na algibeira" (impossível tais lembranças sem citar Fernando Pessoa)
Antes a distância entre Minas e Belém do Pará que com urgência e precisão os unia a fazer juras como se houvessem facas no ar....
Difícil é o reinventar, é se reinventar, nas falas sem sentido, nas voltas e voltas sem parada, nas taças vazias, nas partituras esquecidas, nos mais lindos bilhetes jogados fora por falta de espaço nos novos lares.
Difícil é amanhecer.